terça-feira, 17 de julho de 2012

A crise europeia e o Pibinho do Brasil

A crise europeia e o Pibinho do Brasil

Mercado vê Pibinho de 1,9% em 2012
Autor(es): VICTOR MARTINS ROSANA HESSEL VERA BATISTA
Correio Braziliense - 17/07/2012
 

Enquanto espanhóis saem às ruas e chamam de "assalto" o corte de benefícios pelo governo de Rajoy, no Brasil analistas de mercado refazem as contas e reduzem de 2,01% para 1,9% a previsão de crescimento do país. No dia a dia, brasileiros começam a sentir no bolso os efeitos da crise global: medo de calote leva concessionárias a exigir entrada de 60% no financiamento de veículos.


Pela 10ª semana seguida, analistas cortam projeção para o avanço do Produto Interno Bruto. Se confirmado, será o pior resultado desde 2009. Apesar do fraco ritmo da atividade, inflação continuará corroendo o poder de compra das famíliasNotíciaGráfico

O pessimismo está cada vez maior. Para desespero do governo, o mercado financeiro refez as contas e cortou, pela 10ª semana seguida, a projeção de crescimento da economia para 2012, de 2,01% para 1,9%. Foi a primeira vez que as previsões para 2012 ficaram abaixo de 2%. Mais do que nunca, segundo especialistas, está claro que o efeito da crise mundial será maior do que o estimado pelo Banco Central, que, até três meses atrás, acreditava que o impacto das turbulências internacionais na economia brasileira seria de um quarto do observado em 2008. Será muito maior. E, pior: já compromete o ano de 2013. Tanto que as estimativas de avanço da atividade também recuaram, de 4,5% em agosto do ano passado para 4,1% ontem.
"Infelizmente, a realidade está falando mais alto. A falta de confiança dos consumidores e, sobretudo, dos empresários, está minando a economia brasileira. Teremos, em 2012, o pior resultado desde 2009, quando o Brasil afundou na recessão", admitiu um técnico da equipe econômica. O BC constatou, porém, que nem tudo está perdido. Em maio último, a queda de 0,02% na prévia do PIB calculado pela instituição só não foi maior graças à reação esboçada no Centro-Oeste e no Nordeste, regiões que cresceram, respectivamente, 1,2% e 0,3% no período. Essas economias estão sendo puxadas pelo aumento da massa salarial, pelo consumo de serviços e de bens duráveis e pela ligeira recuperação do agronegócio.
"A economia do Centro-Oeste está sendo impulsionada pelo setor agroindustrial, que predomina em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul e em Goiás. A região ainda tem peso grande do setor público por conta do Distrito Federal", explicou Júlio Myragaia, coordenador da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia. Ele lembro ainda que Brasília, por ter 55% do seu PIB determinado pelo funcionalismo público, é menos afetada pela crise. "Quem está sofrendo mais com a desaceleração mundial é a indústria, e isso é uma coisa favorável para o DF e para o Centro-Oeste. O setor tem peso de apenas 2% no PIB da região", observou.
Problemas
Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, endossou: "A alta dos preços da soja e do milho deram sustentação à renda no interior do país". Na sua avaliação, a crise é mais visível na indústria porque o setor está mais exposto ao comércio exterior. "Mas isso não quer dizer que os problemas estão restritos às fábricas. Outros segmentos da economia começam a dar sinais de fraqueza", disse. Nos cálculos dele, o PIB brasileiro, diante do quadro de desaceleração, deve terminar o ano com crescimento de 1,5%. Para Mauro Schneider, economista-chefe do Banco Banif, o avanço será de, no máximo, 1,7%.
Pelos números do BC, a maior economia do Brasil, São Paulo, amargou, em maio, retração de 0,66%, mês em que a indústria nacional — concentrada majoritariamente no estado — demitiu 1,7% dos funcionários e diminuiu a produção em 4,3% na comparação com igual período do ano passado. Apenas as fábricas paulistas encolheram 6,9% nessa mesma base de comparação. Minas Gerais também sofreu os efeitos da crise e teve seu PIB dilapidado em 2,43% devido, principalmente, à menor produção de carros da Fiat e à diminuição do ritmo dos fornos da Usiminas.
Apesar da fraca atividade do país e das perspectivas ruins, a inflação, mesmo em nível tolerável, se mantém resistente. Mauro Schneider explicou que o custo de vida no país é elevado por causa da enorme quantidade de contratos corrigidos pela inflação passada. Em média, 30% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência pelo governo, vêm desses contratos, incluindo as tarifas públicas. "Outro problema é a redução da oferta. Enquanto a indústria se retrai, o consumo continua forte, mesmo que em bases menores que a observada recentemente", assinalou. Para 2012, o mercado estima um IPCA de 4,87%. Em 2013, a estimativa é de alta de 5,50%.
Essa resistência da inflação, num quadro de baixo crescimento, está ressuscitando entre os especialistas o debate sobre a possibilidade de o Brasil enfrentar o que chamam de estagflação. Ou seja, a combinação de fraco avanço do PIB com elevados índices de preços. "Esse temor tende a aumentar nos próximos meses, principalmente devido à quebra na safra de soja e de milho dos Estados Unidos, que já está forçando a alta dos preços desses produtos, base da cadeia alimentar", destacou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal.
Ele ressaltou que esse risco se potencializa quando o crescimento dos países emergentes perde fôlego, como agora. "Ainda vamos ouvir falar muito nessa palavra, estagflação. Os preços das commodities agrícolas (produtos com cotação internacional) vinham caindo, mas, com a quebra da safra dos EUA, ocorreu uma inversão, o que é bastante preocupante, pois a economia global, principalmente a europeia, está à beira de uma recessão", completou Leal. "Os alimentos vão ficar mais caros, pois ninguém deixa de comer. Agora, a produção industrial continuará desacelerando se a crise na Europa perdurar."
Desânimo
Com a enxurrada de notícias ruins, o Brasil caiu da segunda para a oitava posição no ranking mundial de otimismo entre os empresários. Segundo a pesquisa International Report (IBR) 2012, da Consultoria Grant Thornton , 61% dos executivos brasileiros têm boas expectativas para os próximos 12 meses contra os 86% registrados no primeiro trimestre do ano. Situação contrária ocorreu com o otimismo global, que subiu quatro pontos percentuais, de 19% para 23%.
Segundo Fábio Luís de Souza, da Grant Thornton, com a continuidade da crise internacional, o empresariado brasileiro começa a sentir os efeitos dos cortes de investimentos e da fragilidade do consumo, já que as famílias estão muito endividadas e o governo não consegue executar seus projetos a contento. "As perspectivas não são mais animadoras, com a confirmação de um crescimento modesto do PIB e as políticas de incentivo do governo focadas no consumo e não no investimento produtivo", afirmou.
Na América Latina, o nível de otimismo caiu 20 pontos percentuais, de 73% para 53%. Na América do Norte, subiu de 47% para 52%. E, no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), manteve-se em 41%. Na Zona do Euro, melhorou dois pontos, mas continuou negativo (-2%). Espanha é o país com maior grau de pessimismo: -66%, seguida de Grécia (-58%), Holanda (-46%) e Japão (-41%). Segundo o estudo, entre os mais otimistas estão os empresários do Peru (96%), do Chile (90%) e do Canadá (70%).

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